Uma semana após tragédia em Brumadinho, consequências ainda
são incalculáveis.
Prisões, multas, indenizações e descomissionamento de
barragens foram anunciadas, mas medidas não reparam traumas e danos causados
pelo desastre socioambiental. Mortes confirmadas chegam a 110 e área atingida
pela lama é de 270 hectares.
Sexta-feira, 1 Fevereiro Por Gabriel de Sá
Uma semana após a tragédia socioambiental que atingiu
Brumadinho (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, o pesadelo causado
pelo rompimento da Barragem um da Mina do Córrego do Feijão, operada pela Vale,
parece estar longe do fim. Pelo menos 110 pessoas foram mortas e cerca de 240
continuam desaparecidas após serem atingidas pelo mar de lama composta de
rejeito de minérios.
Diante da quantidade de desaparecidos, formada por membros
da comunidade local e funcionários da Vale, o número de vítimas fatais deve
aumentar ainda mais nos próximos dias.
O impacto ambiental do rompimento de sexta-feira (25/01)
ainda é imensurável, mas, segundo informou em nota o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), os 12 milhões de m³
de lama vazados da barragem destruíram cerca de 270 hectares e inviabilizaram o
consumo de água do Rio Paraopeba. “Os rejeitos devastaram 133,27 hectares de
vegetação nativa de Mata Atlântica e 70,65 hectares de Áreas de Proteção
Permanente (APP) ao longo de cursos d'água afetados pelos rejeitos de
mineração”, diz a nota.
Mapa mostra a área (em rosa) de 270 hectares atingida pelos
12 milhões de m³ de lama vazados da barragem em Brumadinho.
Nos últimos dias, foram tomadas medidas como a detenção de
funcionários da empresa, multas ambientais, avisa de indenizações às famílias
das vítimas e o anúncio de que as barragens de rejeitos de minério do tipo que
se rompeu serão descomissionadas, mas legistas e ambientalistas ouvidos pela
National Geographic acreditam que, diante da incalculável tragédia
socioambiental, será difícil amenizar o trauma e os danos causados pelo
desastre.
“O dano ambiental é
irreparável e irreversível”, avalia o professor de Direito Ambiental da
Universidade de Brasília (UnB) Mamede Said Filho. “Não se pode restaurar por
completo um ecossistema afetado, sem falar nas vidas que foram perdidas”,
observa. Para o professor, medidas preventivas têm de estar na base dos
empreendimentos do setor de mineração, pois, uma vez que desastres assim
ocorrem, é impossível reparar os transtornos humanos e ambientais decorrentes
deles.
“Como refazer aquilo que a natureza levou milhares de anos
para arquitetar?”, questiona Filho, que diz não ter a resposta, mas acha
imprescindível que a Vale e o governo trabalhem arduamente para tentar reparar
os ecossistemas atingidos pelos rejeitos. “No caso de Brumadinho, isso vai
levar décadas, mas é fundamental que essa recomposição in natura seja feita”.
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A tragédia de Brumadinho ocorre pouco mais de três anos após
o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Naquela ocasião, o
vazamento da lama tóxica matou 19 pessoas, deixou milhares de desabrigados,
destruiu comunidades e atingiu o Rio Doce, percorrendo 650 km entre Minas
Gerais e Espírito Santo até desaguar no mar. A barragem era de propriedade da
Samarco, empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton.
Ninguém foi preso por conta do desastre.
Histórico de pagamento de multas é preocupante
O IBAMA informou, também por meio de nota, que multou a Vale
em R$ 250 milhões — cinco autos de infração no valor de R$ 50 milhões cada.
Segundo o órgão, autos foram aplicados com base em artigos do Decreto 6514/2018
e referem-se a: (1) poluição que pode resultar em danos à saúde humana, (2)
tornar a área imprópria para a ocupação humana, (3) poluição hídrica que possa
interromper o abastecimento de água, (4) morte de espécimes a biodiversidade e
(5) lançar rejeitos de mineração em recursos hídricos. Ainda segundo o IBAMA,
R$ 50 milhões é o valor máximo previsto na Lei de Crimes Ambientais.
O valor das multas, contudo, é controverso. “Parece-me
ínfimo, diante de todo o prejuízo ambiental e das vidas perdidas”, diz Leonardo
Ivo, diretor da Associação dos Observadores do Meio Ambiente de Minas Gerais,
responsável pelo observatório Lei. A. “Não me parece um valor adequado e não
houve sequer tempo de calcular prejuízo”, completa o ambientalista.
Para Mamede Said Filho, é muito difícil mensurar qual deve
ser o ressarcimento pelos danos ambientais, patrimoniais e morais em um caso
como esse. “As pessoas nasceram naquelas terras, cresceram e tiravam seu
sustento dali — como calcular um valor para ressarcir tamanha perda?”,
indaga-o.
A razão das críticas toma por base, também, as multas
recebidas pela Samarco após o desastre de Mariana. Reportagem da Folha de S.
Paulo mostra que, mais de três anos após o rompimento da barragem de Fundão,
menos de 6% das multas ambientais foram pagas pela empresa. A Folha apurou que
a Samarco foi multada 56 vezes pelo IBAMA e pela Secretaria de Meio Ambiente de
Minas Gerais (Semad), no valor de R$ 610 milhões, dos quais apenas 5,6% foram
quitados, referentes a uma parte de uma única multa da Semad.
Em nota, o IBAMA informou que os autos de infração lavrados
contra a Samarco após o rompimento em Mariana totalizam R$ 350,7 milhões,
instaurados por 25 processos, além de 73 notificações que visam à adoção de
medidas de regularização e correção de conduta. Contudo, a Samarco teria
recorrido de todos os processos. “A Samarco apresentou recursos contra todos os
autos de infração lavrados pelo IBAMA. Apesar de os autos terem sido
confirmados, a Samarco insiste em recorrer das decisões administrativas,
buscando afastar sua responsabilidade pelo desastre. Nenhuma das multas
ambientais foi paga até o momento”, diz o IBAMA na nota.
Outra reportagem da Folha de S. Paulo registra ainda que,
sem contar com as tragédias de Brumadinho e Mariana, a Vale acumula ações
ambientais não pagas no valor de R$ 8 bilhões. Diante disso, é compreensível
que o pagamento das multas pela tragédia de Brumadinho cause desconfiança.
“Pode aplicar o valor que for a multas, isso não vão ser recolhido. É
brincadeira”, analisa José Cláudio Junqueira, professor de avaliação de impacto
ambiental da Escola Superior Dom Helder Câmara, em Belo Horizonte. “A multa é
muito pequena para o porte dessas empresas, e é inadmissível que elas fiquem
recorrendo, em vez que reconhecer o tamanho do desastre que causaram”, avalia
Mamede Said Filho.
Funcionários foram detidos
Na terça (29/01), foram presos em Minas Gerais e São Paulo
três engenheiros e dois funcionários da Vale que atestaram a segurança da
barragem de Brumadinho. Os engenheiros pertencem à empresa TÜV SÜD Brasil, que
presta serviço para a mineradora. Segundo noticiou o G1, investigadores do
Ministério Públicos apuram se os documentos técnicos que atestam a segurança da
barragem podem ter sido fraudados. José Cláudio Junqueira considera as prisões
um “bom exemplo”, mas acredita que é necessário apurar mais a fundo quem são os
responsáveis pelo rompimento para puni-los rigorosamente.
“O dano ambiental é irreparável e irreversível. Como refazer
aquilo que a natureza levou milhares de anos para arquitetar?”
POR MAMEDE SAID FILHO- PROFESSOR DE DIREITO AMBIENTAL DA
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
A Vale também anunciou à imprensa que irá oferecer uma de
doação de R$ 100 mil para cada uma das famílias das vítimas fatais e não
localizadas, “independentemente de serem ou não empregados da Vale”. Segundo a
empresa, as doações não se referem às indenizações que virão posteriormente,
que serão acordadas com as autoridades.
Em termos comparativos, José Cláudio Junqueira acompanha o
caso das vítimas de Mariana e diz que até hoje as famílias não foram
indenizadas pelas perdas, e diz não acreditar que o pagamento ocorra nos
próximos anos. Em maio de 2018, reportagem da National Geographic mostrou a
situação dos sobreviventes do desastre de Mariana e a insatisfação de parte
deles com a falta de resolução das questões fundamentais relativas à tragédia.
Na mesma reportagem, a Fundação Renova entidade criada para
tratar da reparação e da compensação dos problemas sociais e ambientais
decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, informou que cerca de 20 mil
pessoas estavam sendo assistidas pelos auxílios financeiros da entidade e que
R$ 3,6 bilhões haviam sido destinados para as ações.
Mineração responsável
A barragem rompida da Mina do Córrego do Feijão, em
Brumadinho, utilizava um método chamado de alteamento a montante, o mesmo da
Barragem de Fundão, em Mariana. Neste processo, a empresa utiliza os próprios
rejeitos para erguer o barramento para cima, em degraus. Especialistas disseram
à National Geographic que essa tecnologia deveria ser banida do setor de
mineração no Brasil.
“O tratamento dos rejeitos deve ser feito a seco, com o
aproveitamento dos resíduos. A gente precisa da mineração, mas da mineração
responsável.”
Essa técnica é ultrapassada e obsoleta, empregada apenas em
países em desenvolvimento. Ela não é segura para a população, mas é a mais
barata. Como as empresas visam ao lucro, elas acabam dominando, a despeito do
alto risco para a população e o meio ambiente”, opinou a antropóloga Andréa
Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da
Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta/UFMG), em reportagem publicada em
28/01.
Em nota enviada à imprensa na terça (29/01), a Vale anunciou
o descomissionamento de todas as barragens da empresa que utilizam o método de
alteamento a montante. Segundo o texto, a empresa possui dez barragens deste
tipo, sendo que, segundo a empresa, todas estão inativas. O custo da mudança
está avaliado em R$ 5 bilhões e o descomissionamento ocorrerá ao longo dos
próximos três anos.
José Cláudio Junqueira explica que o descomissionamento de
uma barragem é o processo no qual a estrutura é restabelecida no território,
tal qual se faz, por exemplo, com um aterro sanitário. Junqueira explica que o
processo é extremamente complexo e deve contar com uma série de estudos
ambientais, estudos de impacto, consultas públicas e discussão com a população
e órgãos ambientais. “O que vai ser feitos com essas áreas? Para onde vão os
rejeitos?”, observa o professor, mencionando que existem barragens de rejeitos
de até 300 milhões de m² em Minas Gerais. O exemplo de comparação, a de
Brumadinho tinha 12 milhões de m².
Para José Cláudio Junqueira, também ex-presidente da
Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam), não se pode mais admitir
o tratamento de rejeitos de minério a úmido. “Daqui para frente, não se
constrói nem se amplia mais barragens desse tipo”, torce ele. “O próximo passo
é ter um melhor um acompanhamento e descomissionar as que já existem: cerca de
400 em Minas Gerais”, contabiliza.
Ao olhar para o futuro, Leonardo Ivo pondera que,
primeiramente, as barragens de rejeito têm de serem banidas, sobretudo as que
utilizam o método de alteamento a montante.
“O tratamento dos rejeitos deve ser feito a seco, com o aproveitamento
dos resíduos”, opina. Além disso, é impensável, para ele, que comunidades
estejam instaladas abaixo das barragens, correndo o risco de serem atingidas.
“A gente precisa da mineração, mas da mineração responsável”.
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